terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O ecumenismo do testemunho

O encontro de Francisco e Kirill abre um novo capítulo na construção da unidade entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa: o ecumenismo do testemunho. Embora o diálogo teológico, que ajuda a esclarecer as diferenças doutrinárias, seja fundamental, o testemunho comum de ambas as Igrejas é de maior importância. As ações dos discípulos divididos de Jesus já não serão convincentes. Frente aos mesmos desafios globaisos dois pulmões do cristianismo, o ocidental e o oriental,devem respirar juntos.
O encontro em Cuba pretende romper o gelo da incerteza e dos prejulgamentos, já que ambas partes tinham se dado conta de que agora é o momento de reagir em conjunto ao que está acontecendo no mundo.
Tendo em vista as ameaças à paz, as guerras no Oriente Médio, África e Ucrânia, que Francisco chama “a terceira guerra mundial travada em partes”, os dois pastores perceberam que as declarações separadas das Igrejas não eram suficientes. Na Síria, Iraque e outros países do Oriente Médio ou no norte da África, os cristãos foram deixando em grande número os territórios que haviam ocupado desde os tempos apostólicos.
Há a necessidade urgente de solidariedade internacional: a cooperação, a ajuda humanitária a um número sem procedentes de refugiados e a segurança de seu regresso a seu país de origem. Os dois líderes pedem a resolução dos conflitos através de negociações e prevenção do terrorismo. Por outro lado, eles enfatizam a necessidade de diálogo entre as religiões, o respeito aos que professam outras religiões, e condenam os crimes cometidos “em nome de Deus”.
A declaração do Papa e do Patriarca indica a necessidade urgente de que ambas igrejas adotem uma posição conjunta sobre os problemas mais urgentes do mundo. A declaração enumera muitos problemas: a secularização agressiva, a restrição dos direitos das pessoas que creem em Deus, a flagrante injustiça social, a crise da família e a falta de respeito pela vida humana mediante o aborto, a eutanásia ou as manipulações genéticas.
Ambos reconhecem a necessidade de um testemunho comum das Igrejas na Europa atual, para que a cultura do continente conserve os valores que sempre formaram seus fundamentos, erguidos sobre a rocha da herança judaico-cristã.
Os problemas das relações entre a Igreja católica e a ortodoxa russa são derivados do fato de que esta última tem sido sempre sujeita à autoridade secular e tem atuado “em sintonia” com ela, tanto no plano espiritual quanto no político. A grande máquina da diplomacia russa, incluindo o próprio patriarca, tende a falar a uma só voz, tanto fora como dentro de casa.
Desde que o Patriarca condenou os crimes “cometidos em nome de Deus”, aumentou a pressão sobre ele para finalmente deixar de justificar a agressão na Ucrânia através da teoria religiosa de “Russkiy Mir” e inequivocamente censurar os crimes.
A Igreja ortodoxa continua a fornecer combustível ideológico para o neo-imperialismo da Rússia. A prova de fogo da credibilidade do Patriarca Kirill deve ser seu convite para Francisco visitar a Rússia, sem temor de que sua própria autoridade se apague, comparada com a do sucessor de São Pedro.
No que diz respeito à declaração, também deve levar em conta o contexto do próximo e primeiro Santo e Grande Conselho da Igreja Ortodoxa, que está previsto para junho. O encontro entre Kirill e Francisco foi destinado a reforçar a posição do Patriarcado de Moscou entre as outras Igrejas ortodoxas.
Neste momento, o Patriarcado de Moscou está fazendo tudo em seu poder para mudar a posição de “terceira Roma” para “segunda Roma” e para controlar os poderes do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla e do futuro Conselho. A situação é tensa, como se constatou pela confrontação entre Bartolomeu I e Kirill durante uma reunião de preparação do Conselho, realizada no final de janeiro deste ano em Genebra.
Durante a reunião, cheia de ressentimentos mútuos, o Patriarca de Moscou tentou mudar o local das reuniões do Conselho para Moscou e impedir a autonomia da Igreja ortodoxa da Ucrânia, que a tornaria independente do Patriarcado de Moscou. Sua estratégia tem sido bem sucedida, e ele não vai demorar para aproveitar o encontro com o Papa para reforçar ainda mais a sua posição.
Marcin Przeciszewski é diretor da agência de notícias polonesa KAI

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