domingo, 5 de junho de 2016

Como a dificuldade financeira mudou a minha forma de ver o dinheiro

Eu abaixei a cabeça quando saí do consultório do pediatra, ao ver o quanto teria de pagar pela consulta. Tive vergonha de não ter uma poupança, vergonha de não ser “melhor” na gestão de dinheiro. E pior ainda, fora minha escolha viver daquele jeito. Eu tinha decidido sair do meu emprego em tempo integral antes do meu primeiro filho nascer. Eu digo que foi uma “escolha”, mas, como muitas mulheres, eu achei que equilibrar trabalho e família ao mesmo tempo seria extremamente difícil. Tínhamos adotado três irmãos e, no último minuto, uma gravidez inesperada (embora muito querida), de uma criança que tinha problemas de saúde e precisava ser cuidada em casa por um certo tempo. Parecia que a melhor escolha para a minha família era ter o pai ou a mãe em casa o tempo todo para gerir a família. E eu tinha feito as contas: no papel, seria apertado, mas um salário daria. Mas eu logo soube que “apertado” funcionava apenas em um mês perfeito, sem gastos emergenciais. Meu primeiro filho já tem dez anos e, olhando para trás, acho que nunca tivemos o tal mês perfeito. Alguns sacrifícios iniciais me pareceram óbvios: desisti de gastar dinheiro em meus itens “fúteis”: sapatos e livros. Passei a usar a internet da biblioteca pública para evitar a despesa em casa. Cortamos internet, telefone celular. Mas, apesar do nosso orçamento cuidadoso e dos sacrifícios, dentro de um ano eu tive de sacar a minha minha previdência privada apenas para pagar nossas contas regulares. Eu li recentemente um novo livro sobre pobres dos Estados Unidos, $2.00 a Day: Living on Almost Nothing in America. A socióloga Kathryn Edin narra a jornada dos mais pobres do país: pessoas que, literalmente, não têm nenhum alimento em sua casa, sem fórmulas para bebês, e até sem casas. É devastador viver na pobreza extrema, e imediatamente vi como eu tenho sorte: tenho pouco dinheiro, mas nunca fui pobre ao ponto de não ter um lugar para viver. Essa é outro tipo de pobreza, em que a falta de dinheiro é tão arraigada que não existem opções – o que os sociólogos chamam de pobreza “geracional” em vez de pobreza “situacional”. O simples fato de que eu tinha uma conta de previdência para tirar dinheiro significava uma situação melhor que a de muitos. Os americanos de classe média muitas vezes têm pouca experiência com aqueles na parte inferior da escada econômica. Nós geralmente vivemos em torno de pessoas com rendimentos semelhantes. Assim, esta nova experiência do orçamento apertado – e muitas vezes nem mesmo capaz de suprir o mês – era nova para mim. Foi um vislumbre ver como é a vida das famílias em situações mais terríveis. Para ser honesta, a pior parte foi a seguinte: eu me senti um fracasso. Simplesmente ficava com falta de ar quando ia tentar pagar as contas. Não falava com ninguém sobre o estresse em que vivia, já que a falta de dinheiro era algo que eu tinha que esconder. Mas, olhando agora para trás, posso dizer que meu exercício de uma década em um orçamento extremo acabou sendo positivo: eu desenvolvi uma nova relação com o dinheiro, que está mais de acordo com meus valores espirituais. Eu suspeito que outras famílias, especialmente aquelas que viveram a Grande Recessão, tiveram experiências semelhantes. Minha amiga Mary vive no leste do Canadá e passou por problemas financeiros. Quando lhe perguntei sobre como a luta financeira impactou a forma como ela vê o dinheiro, ela tinha uma resposta pronta: “O primeiro ano após ‘Bob’ começar o negócio, nós estávamos em dificuldades financeiras. Eu sempre fui muito boa com dinheiro e fiz economias e era, e ainda sou, muito econômica, mas na primavera passada estávamos no fundo da nossa linha de crédito empresarial e tivemos que usar a nossa linha de crédito pessoal para pagar os reparos do carro. Eu comecei a cortar gastos, e nós simplesmente não gastamos nada extra”. Ela traçava duas conclusões: “a primeira pode soar um clichê, mas é importante: que nós ainda tínhamos tudo – crianças saudáveis, um lar e uma família amorosa. A segunda, mais reveladora, era que anteriormente eu tinha sido um pouco avarenta. Agora eu sou mais generosa com o que temos, e eu estou mais ciente de como o dinheiro pode afetar negativamente as relações quando ele passa a ser o centro de tudo”. Quando você está contando cada centavo, o “significado” do dinheiro só se torna prático: uma certa quantidade de dinheiro vai comprar seus mantimentos, outro montante vai pagar suas contas. Assim, o dinheiro perde seu peso emocional, em alguns aspectos – é apenas uma ferramenta que vai te dar o que você precisa. E mesmo se você tiver a sorte de ter mais do que o suficiente, ele ainda é apenas uma ferramenta. Não há nada inerentemente bom ou ruim sobre o dinheiro. E, no entanto, muitos de nós podem se sentir confusos, e até mesmo culpados, sobre isso. Outra dica: eu sou escritora freelancer e editora, o que significa que nesta economia louca às vezes eu tenho muito trabalho e às vezes não tenho trabalho suficiente. Quando arrumo um trabalho ou dois significa que inevitavelmente precisarei de ajuda, às vezes com as crianças ou com a arrumação da casa, enquanto trabalho. Eu cresci em circunstâncias financeiras extremamente apertadas e minha mãe nunca teve qualquer ajuda. Eu interiorizei a ideia de que sou “mimada” por buscar essa ajuda. Isso de alguma forma me faz sentir como ostentação, como se eu tivesse dinheiro suficiente para que outras pessoas façam meu trabalho. Mas a realidade é que se eu agendar um grande trabalho, eu não posso fazê-lo e simplesmente abandonar as crianças e o serviço de casa. Então eu contrato ajuda, mas me sinto mal com isso. É uma sensação difícil, mesmo quando você percebe tudo de bom que vem da ajuda contratada: os meninos amam a babá, eu amo; e meu marido ama a casa limpa onde não temos que gastar nosso sábado esfregando. Quem faz o serviço também fica feliz pelo seu ganho. Precisei, assim, rever uma tendência a pensar que gastar dinheiro era inerentemente mau. Mas eu tento me lembrar que o dinheiro não é moral ou imoral em si. Ele pode trazer coisas positivas. É o que você faz com ele que importa. Nós devemos ter o objetivo de gastar o nosso dinheiro de uma forma que faça o bem no mundo. O dinheiro, como tantas outras coisas, está cheio de bagagem e emoção. Graças aos meus anos de orçamento apertado, as minhas opiniões são muito diferentes hoje. Eu uso o dinheiro como uma maneira de colocar minhas prioridades em ação. Para mim, isso significa um dízimo de 10%, além de outras doações de caridade para organizações em minha comunidade, como escolas, banco de alimentos e abrigo para mulheres. Isso significa que, se agora temos mesmo um pouco mais do que precisamos, como família, nós consideramos as necessidades dos outros. Significa, também, falar de escolhas de dinheiro com os meus filhos, algo que meus pais nunca fizeram. Quando planejamos uma grande viagem, explico que é melhor alugar um filme do que ir ao cinema, almoçar em casa ao invés de comer fora. É bom para os meus filhos verem que um orçamento limitado em certo período pode possibilitar um bom passeio de férias mais à frente. É bom para eles verem que o dinheiro significa escolhas – que qualquer coisa além do aluguel, comida e cuidados médicos é um luxo. Nós também fazemos escolhas sobre o que apoiar: o banco de alimentos, mas não o abrigo de animais, por exemplo. Todos nós temos prioridades, e pensar deliberadamente sobre como cuidar de nós mesmos e dos outros é uma habilidade de vida. Eu tento enfatizar que trabalhar duro é o que importa. E meu marido quer muito que nossos filhos saibam que o seu trabalho deve ser significativo e importante. Que eles também precisam pagar as contas, e olhar para as pessoas que têm menos do que eles. Quanto mais tentamos ensinar nossos filhos sobre dinheiro, mais percebemos que é uma questão sutil e multifacetada. Eles não compreendem (ou concordam) inteiramente, mas eu continuo tentando. Muitas vezes eu sinto que meus filhos têm muito. Tudo o que posso esperar é que eles compreendam o poder do dinheiro através de seu próprio trabalho duro, e pelas suas próprias escolhas e responsabilidades. Espero que eles sempre tenham o suficiente para suas próprias necessidades e o suficiente também para ajudar a aliviar o fardo de alguém da comunidade.

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