quinta-feira, 7 de julho de 2016

Ensinar os ignorantes

«Compreendes, verdadeiramente, o que estás a ler?», pergunta Filipe ao funcionário etíope que está a ler uma passagem do profeta Isaías. E ele responde: «E como poderei compreender, sem alguém que me oriente?» (Atos dos Apóstolos 8, 30-31). Este diálogo mostra a necessidade de uma instrução para entrar no conhecimento da Escritura. De um modo mais geral, toda a vida de fé requer um ensinamento. Como este ensinamento tem uma dimensão religiosa fundamental, não admira que, no Antigo Testamento, o próprio Deus seja chamado «Mestre», e que o orante se lhe deve dirigir para ser iluminado e tornado sábio. Mesmo o simples, o inexperiente, o ignorante, torna-se sábio pelo conhecimento da vontade do Senhor: «As ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria ao homem simples» (Salmo 19, 8). É com os profetas, sobretudo com Oseias, que a «Tora» (termo muitas vezes traduzido por «lei», mas que significa «instrução», «ensinamento») indica o conjunto unitário da vontade de Deus. Este conjunto passará a ser a Tora escrita: os cinco primeiros livros da Bíblia («Pentateuco»). Um âmbito primordial, antigo e importantíssimo, de educação e instrução é a família. No século II antes de Cristo, em Israel, confirma-se também a existência de outro ambiente educativo dedicado à transmissão do saber: a escola. A dimensão histórica da fé bíblica e o caráter relacional do Deus bíblico — Deus que se liga em aliança ao povo de Israel — dão vida a uma transmissão da fé que tem lugar segundo uma modalidade narrativa e dialógica, e não impessoal nem doutrinal, abstratamente teológica ou dogmática. É uma modalidade que envolve o narrador e o destinatário da narração, ambos «encerrados» na narração e tornados participantes da história narrada. Leitura pública da Tora e ensinamento dos seus conteúdos de viva voz, nos santuários e em família, são os meios didáticos deste ensinamento que também é transmissão da fé e inserção numa história familiar e do povo. Tradição oral, ensinamento de viva voz, leitura pública, narração: estas formas de transmissão da vontade do Senhor abrangem todos, também os analfabetos, aqueles que não sabem ou não podem ler. O Novo Testamento apresenta o próprio Jesus como «mestre». A atividade de ensino de Jesus, que se dirige a doutos e ignorantes, envolve a sua pessoa, assumindo um aspeto de testemunho. Jesus ensina com as palavras, com os gestos, com o seu modo de viver, com a sua pessoa. A sua pessoa é ensinamento, ou antes, é revelação de Deus. Jesus Cristo é o sinal do Pai, «o sacramento de Deus»: «Quem me vê, vê o Pai» (João 14, 9). O ensinamento disposto por Jesus para os crentes de todos os tempos é radical: Jesus ensina a viver. Ele apareceu para «nos ensinar a viver neste mundo» (Tito 2, 12).

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